sábado, 30 de setembro de 2017

Bola

Existe um perfume de gardênia nesse jardim
E a lua repousa sorridente
entre as nuvens
ora se pondo ora exposta
quizas quizas crescente
Ora em meu peito
ora em circulos
tão cavalheiristico
que mal sustentam o tempo
Eu ali nunca sendo
e sempre tua
uma lacuna
digna de um tango
e de um perfume raro
um segredo
embrulhado em cetim vermelho

Tendemos a imaginar a natureza como uma fonte inesgotável de serenidade e equilíbrio, deve ser a nossa liberdade de sermos românticos e salvar a perfeição com uma tipica distancia, afinal só assim ela existe.
Ontem um passarinho caiu no jardim de casa, filhote assustado, deixamos ele um tempo vendo se os pais o salvariam. Não o fizeram. Peguei ele nas mãos e eu sentia a respiração forte do medo, eu deveria ser um monstro gigante e faminto aos seus olhos, embora tentasse fazer carinho e falar baixinho. Demos pão, água, casa e a liberdade de um portinha para ele sair. De manhã já era outro, não se deixava pegar, embora meio torto pela queda, andava pela grama, determinado a se salvar. Outros pardais vieram, e ali sim deveria estar a salvação, e já vem toda a expectativa de o terem encontrado. E lá vem aquele alivio emocional.
Pois bem, se pais ou não, não sei, sei que o bicaram. E bicaram nos olhos, até eles sangrarem. E teriam o matado ali mesmo, indefeso e cego.
O recolhi com o choro já na garganta de ver o seu bico enterrado na terra e ele inerte e sangrando.
E penso:
Cada folha que cai é um caos para as formigas no chão. E o vento que canta forte na copa das arvores, destelham os insetos, dificulta o voo das borboletas, arrebentam casulos. O caos reina em cada poro de vida, em cada canto da natureza. E a dança da Vida nunca para, ela tem ritmo do mar, de arrebentação e de marolas.A estrela que dança. E só posso concluir que a Vida é muito resistente para suportar a si mesma, e ainda construir belezas para se apoiar.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

E existe essa melancolia agreste. Um vestido negro em terra escaldante, não languido, não composto de lã e paisagens, mas sim um fio de navalha sem insinuação, corte puro e simples. Dito em voz alta, sem supor nada, só a existencial que perfura, sem cerimonias.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Vinho

O entorpecimento da boca
 e os lábios
que mordo
como um beijo exuberante
As pernas formigam
como no instante
em que se geme
E o tempo
o mais delicioso da inebriação
o tempo que se dissolve
e me entrego
e acredito no para sempre
da beleza estonteante
o corpo todo deita 
no momento
se espreguiçam os nervos
e os copos posto ao lado
a dança descalça
de alguma fogueira memorial
interna
a poesia ganha vida propria
e se espelha ao redor
e por ser só fugacidade
não a prendo
Vivo ela no corpo
Vinho e a pele
Combinam
Tudo dissolvido 
Inclusive a ponderação
Não existe sabedoria aqui
existe o instante
e depois a ressaca 

Pelos

"...Je veux d'l'amour, d'la joie, de la bonne humeur
C' n'est pas votre argent qui f'ra mon bonheur

Moi j'veux crever la main sur le cœur.."
(ZAZ)




Eu sou uma pessoa que se arrepia por tudo, tanto que as vezes dói os poros. Me arrepio ao ouvir uma música, e ao lembrar da música e ao falar sobre a música, e só de escrever sobre ela já me arrepio. Muito me toca a dor, a alegria, o amor. Como se o próprio cérebro tivesse uma epiderme exposta e pudesse instintivamente se arrepiar por estar pensando, me arrepio no encontro com o outro, na imagem que o outro me traz. A solidão não me arrepia, mas afinal quando estamos sós? Sempre se tem o vento, a vida e o fluxo, alguma coisa com alma gritando por mim, querendo se conectar e eu não sei ouvir, mas algo em mim sabe, e se arrepia. Expressa sem cerimonias e dificulta alguns diálogos. Li em algum canto que isso tem a ver com sintonizar energias, tendo ao ceticismo em alguns pontos, o discurso muito esotérico me cansa, embora não me escute, por que certamente se o fizesse com a mesma critica sei que também me enquadraria, nos seres que saúdam a lua e conversam com o mar... mas, tudo segue natural, toda a vida mais intima é um segredo. E é minha. 

Na noite mais angustiante, nos dias mais insignificantes, no vazio mais assustador, no desdem, no amor que falta, na falta de sentido, na magoa, nos dias em que o mundo pisa mal sabendo que a gente sente, ainda sim... agradeço por ter um corpo que se arrepia e que sente, vagamente ou uma deliciosa sinfonia a incompreensão e a satisfação de estar viva.